Liev Tolstoi foi um dos grandes nomes da literatura russa do século XIX, que graças a romances como “Guerra & Paz” e “Anna Karenina”, ficou mundialmente famoso. Porém na velhice tornou-se um pacifista com textos e idéias que batiam de frente com igrejas e governos, pregando sempre por uma vida simples e próxima a natureza. Nessa fase da vida escreveu o livro “O Reino de Deus Está em Vós”, considerado pelo autor sua obra máxima. Por considerar irracionais alguns conceitos da igreja, e acusar os governos como incentivadores dessa inversão da moral cristã, foi excomungado da igreja ortodoxa russa e seu livro foi abolido pelo Czar desaparecendo por 100 anos, até a neta de Tolstói republicá-lo em 1988.
É-nos apresentada a doutrina da não resistência ao mal por meio da violência, seguida posteriormente por Gandhi, que encontrou influência neste livro, onde prega não resolver seus problemas com violência, mas sim os contornando de maneira pacífica, tendo por base o que foi ensinado por Cristo no “sermão da montanha”, seguindo a lógica de que combater o mal com a violência é combater o mal com o próprio mal. Em sua visão prática há o empecilho do regime militar obrigatório que na época estava sendo imposto na Rússia. O ato de seguir ordens de matança a mando de alguém que se diz superior é totalmente recriminado. Entra então a questão do povo que baixa a cabeça e obedece a seu governo ignorando os erros, privando-se de qualquer culpa.
“Certos homens, sem raciocínio bem definido, concluem não se sabe de que maneira, que a responsabilidade pelas medidas governamentais cabe inteiramente àqueles que governam, isto é, que os governantes e reis decidam o que é o bem e o que é o mal para seus súditos, e que o dever destes é apenas obedecer. Creio que este modo de pensar nada faz senão ofuscar a consciência. ‘Não posso participar dos conselhos do governo, portanto, não sou responsável por seus delitos.’ É verdade que não somos responsáveis pelos erros de nossos governantes, mas somos responsáveis pelos nossos erros, e os cometidos por nossos governantes transformam-se em nossos se, sabendo que são erros, participamos de sua execução.”
“A intimidação, a corrupção, o hipnotismo criam soldados, os soldados dão o poder, o poder dá o dinheiro com que se compram as autoridades e se recrutam os soldados.”
“A qualidade própria do governo é comandar e não obedecer. Sempre tende a isso e nunca abandonará o poder voluntariamente. Ora, já que o poder lhe é dado pelo exército, ele nunca renunciará ao exército a sua razão de ser – a guerra.”
A solução encontrada estaria em uma sociedade anárquica. Porém tal sociedade não conseguiria manter-se com a consciência do homem como se encontra atualmente. Existiriam roubos, saques, invasões de terras, entre outros tipos de calamidades. Mas adquirindo a consciência da não violência, estaria o homem um passo mais perto desta utopia.
“O tempo de destruir a forma governamental e substituí-la por uma nova chegou ou não para os homens? Se o homem, em conseqüência da consciência superior que nele nasceu, não mais pode obedecer às exigências do Estado, se não mais pode fechar-se em si mesmo, e se por outro lado, não precisa da proteção do Estado, a questão está resolvida pelos próprios homens, que já ultrapassaram a forma do Estado e dele saíram, como o pintinho saiu do ovo no qual nenhuma força poderia fazê-lo reentrar.”
O cristianismo encontrado no livro baseia-se em bases muito simples de bondade, mansidão e caridade. De uma doutrina moral onde Deus não pode nos pedir o que é irracional e impossível, e aponta a igreja como criadora do misticismo cristão, onde criam castigos para benefício próprio, apóiam a violência em defesa do Estado e dos privilégios por ele concedido, e criam falsas imagens a serem referenciadas, a exemplo de papas, ou pastores que montam circos, e afirmam ter poder divino.
“O Pai precisa de fiéis, não em Jerusalém, nem neste ou naquele monte, mas de fiéis no espírito e na verdade; ou como as que afirmaram que o cristão deve orar não como um pagão num templo, mas secretamente, em retiro, e que o discípulo de Cristo a ninguém deve chamar de Pai ou Mestre, contrariamente à doutrina de Cristo, e que discutem entre si, não tem autoridade alguma, e que aquilo que ensinam não é o cristianismo.”
“A igreja é uma reunião de homens que afirmam serem os únicos de posse da verdade. Essas sociedades, transformadas em seqüência com a contribuição do poder civil em potentes instituições, foram o obstáculo principal à propagação da verdadeira inteligência da doutrina de Cristo.”
Para Tolstói, o verdadeiro reino de Deus está entre as pessoas, na vida simples, desprovida da ambição pela riqueza material, na igualdade entre seres humanos, no respeito ao próximo, na busca pela verdade. Não tentando ser perfeito, mas pautando-se no aprimoramento interior, encontrando o reino de Deus dentro de vós.
“A solução das contradições entre a vida e a consciência é possível de duas maneiras: mudar a vida, ou mudar a consciência.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário