sábado, 23 de abril de 2016

Shakespeare e Cervantes

Hoje são comemorados os 400 anos da morte de William Shakespeare e Miguel de Cervantes, dois dos maiores nomes da literatura universal. Sabe-se que o Reino Unido e a Espanha na época não utilizavam o mesmo calendário, então calcula-se que pode haver uma diferença de até 10 dias entre o falecimento dos dois.

Segundo os historiadores, Shakespeare faleceu no dia do seu aniversário, em Stratford-Upon-Avon, e por pertencer à cidade, ficou conhecido como O Bardo de Avon. Suas peças começaram a ter visibilidade na Inglaterra em volta dos seus vinte e oito anos. Nunca escreveu nenhum livro delas, mas as suas obras mais importantes venceram o tempo graças às publicações em folhetins, que eram criados e distribuídos pelo próprio público. Hoje restam 38 peças, 154 sonetos e dois longos poemas. Virou sócio do Globe Theatre e, mais tarde, do Blackfriars Theatre, acumulando fortuna e prestígio. Hoje é considerado unanimemente um dos mais importantes autores de todos os tempos.

Cervantes teve uma vida de aventureiro. Nasceu em Alcalá de Henares, cidade universitária de Castela. Mudou-se para Roma para aprender gramática e latim. Serviu na companhia do capitão Manuel Ponce de Leon, e depois sob o comando de Dom Lope de Figueroa, em viagens que o levou a conhecer toda a Itália. Na volta à Espanha foi preso por piratas, permanecendo por cinco anos como escravo. Após várias tentativas de fuga, foi resgatado por monges, que pagaram aos piratas 300 ducados, enviados pela mãe e pela irmã de Cervantes. El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha teve a sua primeira publicação em 1605, sendo um sucesso instantâneo. Naquele mesmo ano o livro teve seis reimpressões. A segunda parte do livro veio em 1615, um ano antes de sua morte. Os lucros da obra foram todos para o editor. Em 2002 o livro foi escolhido pelo instituto Nobel como "O Melhor Livro do Mundo", por um juri de 100 escritores.

Além do dia de óbito, o ponto mais comum entre os dois autores foi expor em suas obras conflitos que misturam o sonho e a realidade, a sanidade e a loucura. E assim, deixaram um legado para a humanidade melhor conhecer a figura humana, com seus ideais, paixões e conflitos. Os dois nunca se cruzaram, e é muito improvável de terem lido um ao outro. O Bardo de Avon expirou por uma febre, após sucessivos excessos alcoólicos, enquanto Cervantes foi acometido por complicações devido à diabetes. Mas graças às suas vidas e obras ganharam o que chamamos de imortalidade literária, que os mantém vivos sendo lidos, interpretados e estudados até hoje, quando comemoramos 400 anos sem as suas existências.

William Shakespeare / Miguel de Cervantes

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Poemas primaverís

Hoje eu acordei para o tempo.
Deixei para trás o pensamento
Onírico, incapaz de defrontar
O peso e o curso das horas.

Perdi as minhas incertezas
Afastando todas as belezas,
Pois de nada valem os sonhos
Que não lutam perante Cronos.

Troquei as minhas humanidades
Por um acertado relógio de pulso,
Sabendo das suas fragilidades
De quebrar-se no próprio uso.

(Porto Alegre, 15/12/2015)

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Ter um porto entre mazelas
Um lugar pra regressar
Tão belas são as velas
Que te levam pelo mar

Guia-te seguindo o vento
Que o teu coração mandar
No relento aguardo atento
O meu farol te iluminar

O mar é de grande ilusão
Sê forte em tuas verdades
quando o norte for confusão

Sou o teu porto em tempestades
Aconchego para a solidão
E os meus caminhos, tu já sabes

(Porto Alegre, 03/12/2015)

sábado, 12 de dezembro de 2015

Intersubjetividade

Conheci a melhor faceta do ser humano. Não é um anúncio novo, porque já faz um certo tempo da descoberta. Ocorreu quando percebi nunca ter encontrado ninguém sem algo interessante a compartilhar. Aquele olhar que carrega um certo brilho, a própria história a ser contada, o jeito de rir com felicidade, a maneira de falar das pessoas que quer bem, os sonhos a serem construídos. São inúmeros os exemplos, e cada pessoa tem o seu próprio ponto de conquista.

Muitas vezes esta faceta está escondida feito uma ostra e precisa ser buscada. Enclausurada por diversos fatores que podem ou não ser conscientes, vejo que a própria dificuldade de relações interpessoais por muitas vezes é um agravante que encerra esta ostra dentro da concha existente em cada um de nós. 

Podem ser encontrados universos inteiros contidos e fechados, que se abrem para poucos exploradores. E noto cada vez menos pessoas dispostas à arqueologia destas nossas ostras humanas. Entender a intersubjetividade é ferramenta necessária desta arqueologia. Ela será o grande passo para uma melhor convivência social. Mas para este entendimento ocorrer de uma maneira massiva, será necessário a cada um despir-se do orgulho de querer mudar ou influenciar as outras pessoas com a sua própria subjetividade.

Quando preferirmos o entendimento à imposição e à influência, teremos dado um passo importante como seres humanos. E logicamente, caso algum dia esta utopia venha a ocorrer, terá de ser como uma percepção evolutiva de nossa consciência.

domingo, 22 de novembro de 2015

Os Irmãos Karamázov - Livro V; Capítulo IV

Para manter o blog mais ativo, estou planejando comentar sobre livros que li, talvez não só o livro, mas algum capítulo específico, ou algum trecho que achei interessante. começo com o capítulo IV: A Rebelião, do livro V, de Os Irmãos Karamázov. Como a proposta é específica e descompromissada, sem uma análise muito técnica, muitas vezes vou dar preferência por colocar enxertos do livro que se explicam por si só, ao fazer longos textos tentando explicá-los, tentando deixar a leitura o mais dinâmica possível.

O livro V é um debate entre os irmãos Alexei Karamázov (Aliocha), que é um personagem de coração puro, que aspira ser monge, e Ivan, um pensador que representa o niilismo, que estava em alta na Russia no século XIX.
Ivan demonstra neste capítulo a sua revolta, ou como sugere o nome do capítulo, a sua rebelião, que começa logo no primeiro parágrafo, questionando o amor ao próximo pregado no cristianismo, e segundo ele, impossível perante um mundo violento e injusto, onde a figura de Deus sucumbe no ódio dos homens, e em suas crueldades.

"Para que seja possível amar um homem, é preciso que ele se esconda; quando ele mostra a sua face, o amor desaparece."

"Às vezes, comparam a crueldade dos homens com a das feras; isto é um insulto às feras. Os animais nunca chegam aos requintes do homem."

Após citar exemplos de injustiças criadas devido ao desejo sádico da humanidade, Ivan aponta para as crianças e para o sofrimento que elas muitas vezes passam sem ter culpa alguma.

"Pode-se, isso sim, amar as crianças de perto, mesmo sujas, mesmo feias, aliás, eu nunca as acho feias. Já os adultos, esses comeram o fruto proibido, discerniram o bem do mal, tornaram-se semelhantes aos deuses. Mas as criancinhas não, são inocentes"

Voltando a falar da crueldade do homem, inverte a sentença bíblica de que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, afirmando:
"- Penso que, se o diabo existe... se ele foi criado pelo homem... o homem fez o diabo à sua imagem e semelhança."

E após, conta diferentes casos de histórias cruéis que ocorreram com crianças, que recortou no jornal, ou contaram à ele.
Em um dos casos, após contar sobre um general que por castigo mandou caçar um menino como se fosse um animal, sendo este menino dilacerado pelos cães na caçada, perguntou ao seu irmão Aliocha se o general mereceria o fuzilamento. Aliocha, o personagem mais puro do livro, que do início ao fim não abandona a sua fé, consente que ele mereceria o fuzilamento. E então percebe então que segundo os ensinamentos que ele tenta seguir de amor ao próximo e perdão, estava falando um absurdo. Aqui o personagem puro mostra a sua face humana, em que age seguindo os próprios instintos de justiça, querendo a morte de um homem por ter feito um ato cruel.

Ivan tenta desta forma provar para o seu irmão que o amor ao próximo, conforme o cristianismo prega, é impossível. E no fim do capítulo, volta às crianças para explicar a sua visão sobre as injustiças que a doutrina cristã tenta explicar.

"Quero estar presente quando todos souberem o motivo de todas as coisas. Mas e as criancinhas, que farei delas, então? (...) Se todos devem sofrer, para, com o sofrimento, resgatar a harmonia eterna, qual é o papel das crianças? (...) Um humorista pode dizer que as crianças vão crescer e terão tempo para pecar, mas o menininho de oito anos, dilacerado pelos cães, não cresceu."

"Os carrascos vão sofrer no inferno, você vai me dizer? Mas para que serve este castigo, se as crianças também tiveram o seu inferno na terra? Aliás, que valor tem essa harmonia, se houver todo um inferno nela? E, se o sofrimento das crianças servir para completar a soma das dores necessárias para obter a verdade, digo desde já que essa verdade não vale tal preço."

"Imagine que o destino da humanidade se encontra em suas próprias mãos e que, para tornar as pessoas definitivamente felizes, para enfim lhes dar a paz, o repouso, seja indispensável submeter à tortura um só ser, a criança que batia no peito com as mãozinhas, e sobre as lágrimas dela construir a felicidade futura. Nessas circunstâncias, você se decidiria a construir essa felicidade?"

Os Irmão Karamázov foi o último livro do escritor russo Fiódor Dostoiévski (11/11/1821 - 09/02/1881). Conta a história dos filhos de Fiódor Karamázov, e da relação conturbada desta família. Torna-se uma trama policial, com discussões filosóficas entre personagens cercados de dramas existenciais, e por esta via consegue mergulhar na essência do ser humano em cada um de seus personagens.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Poemas com cheiro de azul

Poeminha pairado

No pior estado mundano
Da necessidade aprendi
A ser menos humano
E mais feito o colibri.

(26/03/2015)

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Fechei minhas janelas pois
o mundo perdeu-se lá fora.
Passei a desfrutar aqui dentro
Inertes momentos de calmaria
Destituindo minhas ideias e ideais.
Guardei-as junto aos cobertores
Tão volumosos e tão defasados
Com a chegada do último verão.
Me indago sobre meus erros
Ou até se estes erros existem.
E se há erros tão irreais
Como o de sentir-se pequeno
E ignóbil perante o universo.

(23/03/2015)

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Cinco ou Cinquenta Versos

Tenho guardado em mim
cinco ou cinquenta versos
que nunca publicarei
para que você não leia

Naturalmente passaremos
igual às águas cursam o rio
as estações mudam o plantio
ou o tempo preenche o vazio

E ao rumarmos diferentes lados
estes cinco ou cinquenta versos
estarão agora calados
dispersos e cicatrizados

Terei fechado em meu fim
cinco ou cinquenta lembranças
como parte de minhas andanças
nos ternos registros deste ser.

(11/03/2015)

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Se quiser alguém pra andar contigo
Serei amante e fiel amigo
Seguindo o caminho que destinar

Se precisar contar os teus problemas
Estarei atento nestes dilemas
Compreensivo ao que me confiar

Caso prefiras insignificâncias
Juntos brincaremos de ser crianças
Explorando o que o tempo levou

Se quiser abrir os teus defeitos
A julgar não me darei direitos
Pois é mais humano quem já falhou

Precisando de abraços apertados
Encontrarás os meus braços calados
E no silêncio aliviarei teus fardos
Sem ser farto de ilusões.

(05/02/2015)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Microcosmos

No apartamento anterior em que morei, as traças me faziam companhia. Neste em que hoje vivo, sempre me deparo com trilhas de formigas. Compreendi suas presenças constantes ao encontrar a sua cidadela em uma fenda dos azulejos do banheiro.

Onde morei anteriormente já existiam as inúmeras traças quando cheguei, e provavelmente ainda se dependuram nas grossas paredes amarelas após a minha partida. Prestigiarei agora uma fase de vivência com algumas gerações de formigas. O que dá um certo alívio quando penso em meus livros que eram ameaçados pelas traças, seus predadores naturais.

A capacidade de raciocínio lógico junto ao polegar opositor geram grande parte do nosso orgulho de superioridade, enquanto a maior população da terra está concentrada em microcosmos que não damos importância. Já estavam por aqui quando chegamos, e provavelmente continuarão após a nossa partida.

Cada formigueiro contem histórias sobre guerras, liderança e sobrevivência, que nunca estarão escritos nos livros de história. Livros estes, que um dia serão devorados pelas traças.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O oráculo da primeira infância

Mais uma vez reconstruo a infância em minhas memórias. Procuro entre elas as primeiras que consigo encontrar, e me deparo jogando Atari com meu irmão; chorando por não gostar de comer; observando a rua de minha casa pensativo no quanto o mundo era vasto e inexplicável; e cercado de pessoas que deste então já estavam pré-definidas para eu amar pelo resto de minha vida.

Esta primeira infância é um caminho psicológico ao que somos, sendo essencial no "Conhece-te a ti mesmo", já inscrito a muito tempo no oráculo de Delfos. Porém quanto mais o tempo passa, maior é o labirinto em que este caminho se converte, e enigmas acabam sendo acrescentados à ele. Chegar a algum lugar torna-se um grande desafio, maior do que o de jogar Atari com o irmão quando se tem três ou quatro anos.

A frase do oráculo, atribuída aos sete sábios de Delfos, conclui-se com: "...e conhecerá os deuses e o universo". Talvez sendo mais antiga que o próprio oráculo a ideia de que conhecer-se é conhecer os deuses que vivem em si. Com o passar do tempo o meu mundo de um guri de três anos expandiu para um universo, continuando a ser muitas vezes complexo, e tantas outras inexplicável. E a curiosidade de minha primeira infância continua a mesma, sendo ela a responsável pela exploração de tudo aquilo que ainda expandirá, e que nunca saberei por inteiro.