Para manter o blog mais ativo, estou planejando comentar sobre livros que li, talvez não só o livro, mas algum capítulo específico, ou algum trecho que achei interessante. começo com o capítulo IV: A Rebelião, do livro V, de Os Irmãos Karamázov. Como a proposta é específica e descompromissada, sem uma análise muito técnica, muitas vezes vou dar preferência por colocar enxertos do livro que se explicam por si só, ao fazer longos textos tentando explicá-los, tentando deixar a leitura o mais dinâmica possível.
O livro V é um debate entre os irmãos Alexei Karamázov (Aliocha), que é um personagem de coração puro, que aspira ser monge, e Ivan, um pensador que representa o niilismo, que estava em alta na Russia no século XIX.
Ivan demonstra neste capítulo a sua revolta, ou como sugere o nome do capítulo, a sua rebelião, que começa logo no primeiro parágrafo, questionando o amor ao próximo pregado no cristianismo, e segundo ele, impossível perante um mundo violento e injusto, onde a figura de Deus sucumbe no ódio dos homens, e em suas crueldades.
"Para que seja possível amar um homem, é preciso que ele se esconda; quando ele mostra a sua face, o amor desaparece."
"Às vezes, comparam a crueldade dos homens com a das feras; isto é um insulto às feras. Os animais nunca chegam aos requintes do homem."
Após citar exemplos de injustiças criadas devido ao desejo sádico da humanidade, Ivan aponta para as crianças e para o sofrimento que elas muitas vezes passam sem ter culpa alguma.
"Pode-se, isso sim, amar as crianças de perto, mesmo sujas, mesmo feias, aliás, eu nunca as acho feias. Já os adultos, esses comeram o fruto proibido, discerniram o bem do mal, tornaram-se semelhantes aos deuses. Mas as criancinhas não, são inocentes"
Voltando a falar da crueldade do homem, inverte a sentença bíblica de que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, afirmando:
"- Penso que, se o diabo existe... se ele foi criado pelo homem... o homem fez o diabo à sua imagem e semelhança."
E após, conta diferentes casos de histórias cruéis que ocorreram com crianças, que recortou no jornal, ou contaram à ele.
Em um dos casos, após contar sobre um general que por castigo mandou caçar um menino como se fosse um animal, sendo este menino dilacerado pelos cães na caçada, perguntou ao seu irmão Aliocha se o general mereceria o fuzilamento. Aliocha, o personagem mais puro do livro, que do início ao fim não abandona a sua fé, consente que ele mereceria o fuzilamento. E então percebe então que segundo os ensinamentos que ele tenta seguir de amor ao próximo e perdão, estava falando um absurdo. Aqui o personagem puro mostra a sua face humana, em que age seguindo os próprios instintos de justiça, querendo a morte de um homem por ter feito um ato cruel.
Ivan tenta desta forma provar para o seu irmão que o amor ao próximo, conforme o cristianismo prega, é impossível. E no fim do capítulo, volta às crianças para explicar a sua visão sobre as injustiças que a doutrina cristã tenta explicar.
"Quero estar presente quando todos souberem o motivo de todas as coisas. Mas e as criancinhas, que farei delas, então? (...) Se todos devem sofrer, para, com o sofrimento, resgatar a harmonia eterna, qual é o papel das crianças? (...) Um humorista pode dizer que as crianças vão crescer e terão tempo para pecar, mas o menininho de oito anos, dilacerado pelos cães, não cresceu."
"Os carrascos vão sofrer no inferno, você vai me dizer? Mas para que serve este castigo, se as crianças também tiveram o seu inferno na terra? Aliás, que valor tem essa harmonia, se houver todo um inferno nela? E, se o sofrimento das crianças servir para completar a soma das dores necessárias para obter a verdade, digo desde já que essa verdade não vale tal preço."
"Imagine que o destino da humanidade se encontra em suas próprias mãos e que, para tornar as pessoas definitivamente felizes, para enfim lhes dar a paz, o repouso, seja indispensável submeter à tortura um só ser, a criança que batia no peito com as mãozinhas, e sobre as lágrimas dela construir a felicidade futura. Nessas circunstâncias, você se decidiria a construir essa felicidade?"
Os Irmão Karamázov foi o último livro do escritor russo Fiódor Dostoiévski (11/11/1821 - 09/02/1881). Conta a história dos filhos de Fiódor Karamázov, e da relação conturbada desta família. Torna-se uma trama policial, com discussões filosóficas entre personagens cercados de dramas existenciais, e por esta via consegue mergulhar na essência do ser humano em cada um de seus personagens.
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