O Bêbado

Nasceu no campo e por lá cresceu o guri. Aprendeu o ofício de domar, tosquiar, marcar e tropear, criando-se peão. Tornou-se homem, e quando seu patrão passou por dificuldades em ter como pagar pelos serviços, seus sonhos buscaram a vida na cidade. Mudou-se para a capital do estado com pouco dinheiro e sem moradia. Faltou planejamento; não conseguiu emprego, quanto menos lugar para viver. Sua casa agora era a rua e das marquises improvisava o quarto. Fazia parte do cenário urbano assim como as luzes, os prédios e o trânsito. Perambulava buscando comida. Fazia pequenos favores por alguns trocados. O dinheiro não era suficiente para voltar ao campo e a saudade da família apertava no peito.

Os poucos amigos estavam em situação semelhante. Juntavam moedas e trocavam por cachaça. Forma de fugir da realidade para os pensamentos se perderem em tentativas de tudo esquecer. No frio a bebida era de grande ajuda para aquecer o corpo. Sobrevivia aos invernos e à chuva, desgastando seu corpo de um homem que outrora fora forte e sadio. Não bastou mais do que alguns anos para a vida lhe tirar a pouca resistência, passando seu último inverno em um transitar lento e frágil.

Tombou frente a uma loja de roupas quando o termômetro marcava dois graus. "Este mendigo atirado no chão é uma má impressão em nosso estabelecimento!" disse o gerente de uma loja na ligação feita às autoridades. "É indigente. Não podemos fazer nada." foi a resposta do outro lado da linha. "Mãe, ele tá passando mal." falou a criança que atentamente o observava, e logo foi corrigida por sua mãe: "É só mais um bêbado sem-vergonha."

Viveu sonhando com dias melhores, e em seu fim não passou de um nada estatístico. Pereceu de hipotermia durante a madrugada. Na primeira hora da manhã atrapalhou o movimentado comércio, sendo o empecilho em seu gélido cadáver que afastara os clientes.